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5.08.2012

VARANASI OU O RITUAL DA MORTE


Varanasi fica na margem do Ganges, o rio sagrado da Índia onde são atirados os restos mortais dos muitos hindus que ali vão morrer. A poluição do rio atinge, assim, proporções incalculáveis e difíceis de aceitar racionalmente. No entanto, o rio pela manhã apresenta uma paisagem fascinante. Aventurei-me. Um passeio de barco pelo rio. De madrugada. 5h da manhã para ver o sol nascer.


O Rio Ganges está para os hindus como Meca para os Muçulmanos. Eu queria conhecer de perto aquele ritual de morte, tão diferente dos nossos costumes alentejanos. Visitei o principal local de cremação - Manikarmika - ordem os fogos ardem 24h consecutivamente. São precisas cerca de 4000 rupias para comprar toda a lenha necessária à cremação de um corpo. A cremação eléctrica é muito mais barata e custa apenas 151 rupias... Pois, até na morte... E o ritual surgiu: o filho mais velho do morto rapa o cabelo e ateia o fogo dando quatro voltas em redor do morto, ritual que simboliza os quatro elementos: terra, água, ar e fogo. As crianças com menos de 12 anos, as mulheres grávidas, os leprosos e os sacerdotes não são cremados. Estes corpos são directamente atirados ao rio, atados a uma pedra.

O rio enche-se de hindus que ali vão banhar-se, deitar flores e rezar. Deitei também a minha vela no Ganges pelos mortos. Pelos amigos. Pelos amores. Não se descreve o que se sente ali. O remador Balu, obrigatoriamente hindu para ser remador no Ganges (e que surge nesta imagem), foi tentando explicar-me alguns daqueles rituais mas eu só ouvia o barulho do sol a bater nos Ghats (locais de cremação) e a iluminar, aos poucos, o casario...

Encontrei viajantes solitários, mulheres aos pares, casais, grupos de meia-idade... Poucos ou nenhuns turistas. Nunca mais esquecerei Varanasi. Flores por todo o lado. Panos cor-de-laranja a cobrir os corpos que passam à nossa volta. Incenso a queimar a todas as portas, quer sejam templos ou não. Mantras repetidos ao som dos muitos sinos.

Das muitas viagens feitas, nunca tinha sentido este clima, esta atmosfera exótica e mística. Em Varanasi, cheira a sândalo e a jasmim pelas ruas. Os cheiros e as cores apoderam-se dos sentidos. Recuei séculos no tempo e quase esqueci quem sou, o que faço, e as preocupações do Ocidente pareceram-me totalmente mesquinhas.

Vi de perto os corpos a arder. Senti no corpo o calor dos fogos e os meus cabelos e corpo encheram-se de cinzas. Chorei. Chorei muito. Chorei tudo.

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